domingo, 31 de julho de 2011

Impressões do Festival de Inverno de Garanhuns - 1ª parte - Esplanada Guadalajara

Há uma semana exatamente, os turistas que praticamente lotavam os hoteis, pousadas e casas alugadas em Garanhuns se preparavam para ir embora da cidade, creio eu, com uma boa impressão do evento que viram durante os dias que passaram pela cidade. Como sou e me sinto garanhuense, apesar de já ter saído há 10 anos da cidade em que nasci e fui criado, não me incluo entre estes turistas, mas sinto-me muito orgulhoso do evento que tive a oportunidade de vivenciá-lo quase em sua totalidade. Infelizmente, não deu para ver tudo, porque eram muitas atrações e muitas delas coincidiam em horário; outras delas não vi realmente por questões logísticas, já que gostaria muito de voltar ao Castainho, por exemplo, mas sem transporte regular, não dava para ir à interessante comunidade quilombola. Só se fosse de "táxi cultural", mas não deu. Enfim, foram tantas atrações que qualquer pessoa que foi ao FIG não pôde reclamar de não ter o que fazer. Afinal, desde as primeiras horas da manhã até altas horas da madrugada, sempre havia algo de bom sendo mostrado ou apresentado a quem tivesse interesse em assistir aos eventos do Festival. E o melhor de tudo: todas as atrações estavam disponíveis a todos, sem necessidade do pagamento de ingresso, fato natural levando-se em consideração que o Festival é financiado pelo governo do Estado. Mas esta não é a discussão principal, até porque há 21 anos o FIG é realizado desta forma. O que interessa aqui nesta postagem é tecer meus humildes comentários e impressões que tive de todos os dias de Festival que, neste ano, tive a oportunidade de assistir. Desde já, alerto a todos os meus leitores que não tenho a intenção de ir aos mínimos detalhes com relação às apresentações musicais ou artísticas do FIG, já que não me sinto preparado para isso, pois não tenho capacidade nem formação para ser crítico musical ou artístico. O que farei abaixo serão comentários sobre a estrutura do evento, sobre a organização, mas também mencionarei alguns artistas que me fizeram gostar ainda mais deste evento que, sem falsa modéstia, é mesmo um dos maiores (se não o maior) deste tipo em nosso país atualmente. Para não ficar muito cansativa a leitura, separarei minhas impressões de acordo com os polos principais do evento oficial: Esplanada Guadalajara, Palcos Pop e Forró, do Parque Euclides Dourado, Palco Instrumental, do Pau-Pombo e Virtuosi na Serra, na Catedral de Santo Antônio. Estes foram os principais locais em que estive. Para os demais polos, como o teatro, o cinema, a dança e o Palco de Cultura Popular, além dos pontos de cultura e dos eventos relacionados à literatura, deixarei para as últimas postagens. Também, em breve, postarei fotos e vídeos, alguns que tive a ousadia de fazer, outros que foram feitos por outras pessoas que estavam melhor localizadas que eu nas apresentações, para que quem não tenha ido possa ter uma ideia da grandiosidade do FIG. Confira, abaixo, as impressões do polo mais importante do FIG:

As apresentações da Esplanada Guadalajara

Principal polo de atrações do FIG, a Praça Guadalajara é sempre o local mais lembrado pela maioria dos turistas que vêm ao Festival de Inverno de Garanhuns. Sempre os artistas que se apresentam lá possuem maior visibilidade, justamente por este ser o polo mais conhecido do Festival. Em relação ao ano passado, em geral, o nível das atrações foi semelhante, prova de que a cada ano parece que a Fundarpe vai aprendendo a não deixar o nível das atrações cair, para evitar a perda de qualidade do FIG. Mas, como sempre, algumas críticas sempre surgem em relação às escolhas da Fundação do governo do estado. As principais foram relacionadas à escolha das atrações do encerramento, à falta de oportunidades para que as atrações de Garanhuns se apresentem em horários, digamos, mais "nobres" das noites, além da polêmica vinda da cantora Margareth Menezes, que abriu uma série de discussões durante os últimos dias do FIG e na semana passada nas redes sociais e nos blogs que fizeram a cobertura do Festival.
Quanto ao fato de que o encerramento com os grupos Mundo Livre S/A e Nação Zumbi, penso que foi melhor do que a expectativa. As apresentações foram boas, mas realmente penso que no último dia, talvez, outras atrações de renome nacional pudessem ser escolhidas. Porém, depende do critério a ser utilizado, pois no ano passado, com Paulinho da Viola, penso que o resultado esperado para um encerramento na Esplanada Guadalajara foi ainda pior do que o deste ano. Então, trazer um artista de renome nacional nem sempre será garantia de praça cheia no encerramento do FIG. Enquanto isso, no Parque Euclides Dourado, já foi o segundo ano de superlotação no último dia, o que prova que a preferência da maioria do público que vem para o último dia parece ser por atrações ou ritmos mais populares. Mas, será que trazer um artista popular para o encerramento, a depender da escolha, também não seria um verdadeiro "tiro saindo pela culatra"?
Na verdade, o que acontece com a lotação da Esplanada Guadalajara parece ser resultado de um fenômeno nacional, o da menor divulgação de eventos que não se relacionem a atrações meramente comerciais, repletas de pirotecnia, aliadas à ideia que tem sido difundida de se separar estilos musicais segundo a classe social, comparando ritmos como a MPB e a música erudita para a elite e ritmos mais populares atualmente, como o forró estilizado e o axé para as massas. Creio que estas ideias não são verdadeiras, mas, infelizmente, parece que esta concepção está tomando força em nossa sociedade, impulsionada principalmente pela verdadeira lavagem cerebral que, há anos, as rádios e TVs vêm fazendo com a audiência em suas programações. O que vemos hoje nas programações de rádios e TVs é a adoção de um verdadeiro estilo "8 ou 80": ou as emissoras comerciais rotulam o que não é comercial de "jurássico" ou coisas que nos levam a "lembranças" de outras épocas, ou seja, como coisa de gente mais velha mesmo e passam apenas as músicas comerciais por mais de 10 vezes ao dia, num verdadeiro processo de repetição e lavagem cerebral dos ouvintes, ou, no caso das rádios educativas, veicula-se muita música não comercial, porém, sem que se recorra ao expediente das músicas de refrões repetitivos e mais "populares", a audiência é bastante restrita.
Parece que isto vem a ser o motivo pelo qual apenas na primeira sexta-feira do FIG tenha havido lotação total da praça. Pelo menos foi isto que observei nos 8 dias que fui à Esplanada Guadalajara. Só não fui no primeiro sábado, 15, dia de Bebel Gilberto e Gal Costa e na quarta-feira, 20, dia de Margareth Menezes.
Aliás, falando no dia 15, foram muitas as críticas ao formato do show de Gal Costa, feito quase que praticamente no estilo voz e violão. Pelo que vi em outros blogs e pelos comentários do dia seguinte, a atração agradou apenas ao fãs de carteirinha, tanto que a apresentação de Bebel Gilberto recebeu um público bem abaixo do esperado, que ficou disperso com a apresentação anterior e com a demora nos intervalos de uma atração para outra. Outra apresentação que não foi legal foi a de Marina Lima e nesta eu estava presente. Penso que o som prejudicou um pouco no início, é verdade, mas a cantora não entrou muito em sintonia com o público não. O formato mais intimista do show apresentado pela cantora pode ter sido também um fator que tenha contribuído para não ter agradado muito.
Quanto às atrações que mais me surpreenderam ou mais me agradaram, aponto as do dia 15 como as melhores e a primeira sexta-feira do FIG foi mesmo a melhor noite. Pena que o acúmulo de boas atrações numa noite só, além da curta duração das apresentações, tenha impedido que pudéssemos curtir um pouco mais de músicas destes artistas. A minha frustração pessoal ficou por não ter assistido ao show de Pato Fu, pois cheguei mais tarde à praça e acabei ficando com meus amigos preso por mais de meia hora a uma fila que foi parar depois do Centro Cultural, já que neste ano, para quem vinha da Catedral de Santo Antônio tinha como única entrada principal a das escadarias da praça. Infelizmente, só no dia seguinte é que fui descobrir que havia outra entrada próxima, mas na parte de cima, ao lado do Centro Cultural, além das outras das ruas da Lanchonete Azevedo (Rua Coronel Antônio Souto) e da Rua da Prosperidade. Por isso, acabei só assistindo a Nando Reis, Otto e Frejat. Foi o dia em que teve mais gente na praça, com certeza.
Nos demais dias, boas atrações vieram em quase todos os dias. Na primeira quinta-feira, as apresentações de Geraldo Azevedo e Alceu Valença foram marcantes, principalmente a de Alceu, que apresentou um repertório completamente diferente do que estamos acostumados a ouvir, já que foi apresentado o show do disco "Vivo" em homenagem ao músico pernambucano Lula Côrtes.
No domingo, Marcelo Camelo apresentou um ótimo show, gostei muito da banda e das letras das músicas, a maioria que eu ainda não conhecia, da sua carreira solo. A única coisa chata da apresentação dele são as reclamações sobre tudo, principalmente quando ele teve que tocar violão, que reclamou constantemente do pessoal do som, que não colocava o som do violão da maneira que ele pensava ideal. Mas, fora isso, a apresentação dele foi muito boa.
Na segunda-feira, o que dizer de Adilson Ramos e Fafá de Belém? Foram ótimas apresentações. Adilson Ramos, sempre com seu carisma e sempre bem recebido pelo público, fez uma apresentação ainda mais animada que a do ano passado, ainda apresentando novas músicas, que agradaram ao público presente, em número até surpreendente para um noite de um dia útil. Já Fafá de Belém também apresentou um show marcante, com muitos sucessos e o vozeirão que leva nossos ouvidos a se exercitarem com os altos decibeis da sua voz. Mas foi um show muito bom de se ver. Este poderia ter sido o caminho a ser escolhido para uma noite de encerramento, a ser feito com artistas populares mas com músicas interessantes, apesar de que algumas possam ser incluídas no estilo "piegas" ou mesmo "brega". Mas são músicas populares, com certeza.
Na terça-feira, a orquestra Spok Frevo e Elba Ramalho deram o tom da noite. Mais uma vez, Elba Ramalho apresentou um repertório voltado ao forró que agradou ao público. Além disso, foi bem interessante a parte em que o maestro Spok foi convidado ao palco para participar de algumas músicas junto com Elba, o que tornou a apresentação ainda mais interessante. Foi uma noite popular, mas também muito boa para dançar e se divertir com um bom forró, com boas letras e melodias. Porém, dizer que o repertório se resumiu ao forró é reduzir demais a qualidade do show de Elba, que apresentou outros sucessos ao som do frevo.
Na quinta-feira, 21, Luíza Possi e Seu Jorge atraíram um dos maiores públicos de todos os dias e fizeram boas apresentações. Seu Jorge apresentou-se conforme as boas expectativas e apresentou quase todas as músicas principais do seu repertório. Só senti falta da boa "É isso aí", que o cantor gravou uma versão com Ana Carolina. Não me lembro se ele cantou e não prestei atenção ou se realmente ele não cantou, mas independente disto o show me agradou.
Na sexta-feira, 22, fiquei surpreso com o público reduzido em relação ao nível nacional e popular das atrações. Foi a noite do samba, com certeza. Não fiquei para ver a Unidos da Tijuca "na avenida" mas ainda vi a apresentação de Beth Carvalho. Apesar de não estar 100% em termos de saúde, a cantora mostrou, em sua volta aos palcos depois de 18 meses, que ainda anima bastante o público. Foi uma apresentação muito boa e o bis com as músicas que todo mundo sabe cantar por terem sido gravadas como marchas de carnaval
foi demais. Penso que a apresentação de Beth Carvalho foi melhor que a de Jorge Aragão, se bem que é difícil comparar os dois artistas.
No sábado, 23, Mundo Livre S/A e Nação Zumbi fizeram boas apresentações, mas para um público muito reduzido para uma noite de encerramento. Enquanto Mundo Livre trouxe músicas já conhecidas e boas novidades, Nação Zumbi nos fez relembrar as ótimas músicas da época de Chico Science. Pena que estes ritmos não parecem ter agradado os turistas, que não foram em grande número para Garanhuns no último dia. A exceção, claro, ficou por conta dos turistas de Recife, a maioria esmagadora na última noite.
Faltou escrever sobre a quarta-feira, 20, que deixei por último de propósito. Como estava com uma preguiça danada na noite da quarta, não saí de casa. Assisti à apresentação de Roberta Sá pela TV Pernambuco e fiquei impressionado com a voz da cantora potiguar. Que voz maravilhosa, com uma melodia cativante, além, claro da sua própria beleza. Bom, enfim... Mas gostei muito e fiquei surpreso positivamente com a cantora, que não conhecia muito bem. Entretanto, o oposto (e polêmico) ficou por conta de Margareth Menezes. Havia um clima de dúvida no ar sobre qual seria o estilo de música que a cantora apresentaria, já que é de conhecimento de todos que ela canta axé, mas, em junho, Margareth cantou forró em Caruaru. Porém, a expectativa sobre o show de axé se concretizou. Além disso, a gafe de chamar Garanhuns de Caruaru logo no início da apresentação foi de doer e o pior, aparentemente pouquíssimas pessoas que estavam na "massa" próximas ao palco parecem ter notado isso. O ritmo escolhido tem sido objeto de muitas críticas à Fundarpe, já que apresentações deste tipo não fazem parte da história dos 21 anos de FIG. Para mim, penso que as músicas que Margareth apresentou, em sua maioria, foram sucessos de outra época do Axé, que ainda não possuía tantas letras ofensivas, como as de hoje. Porém, é complicado permitir que mais apresentações deste tipo ocorram no FIG já que, como escrevi acima, não é comum que estas apresentações mais comerciais ocorram no Festival. Penso também que o caminho mais correto para o FIG não é o de transformá-lo nem em um festa elitista nem em uma festa repleta de bandas "populares" para as gravadoras e empresas de rádio e TV, já que o FIG, em sua grandiosidade e já servindo de exemplo para a criação de outros Festivais, como o de Pelotas-RS, por exemplo, é feito sob um formato que tem dado certo ao longo destes 21 anos.
Também nunca é demais lembrar, aos críticos do formato atual do FIG, que um outro Festival, mais antigo e até mais famoso que o FIG, é o de Campos do Jordão e o tipo de música que é tocada lá na outra cidade serrana é muito mais "elitista" que o que se ouve em Garanhuns: o estilo musical do Festival de lá é nada mais nada menos que a música erudita. Isto prova que os Festivais de Inverno não são famosos por tentarem ser a expressão do que toca nas rádios nas seções das "mais pedidas" mas o que o turista quer ouvir é o que existe de novo e de clássico na música brasileira, numa mistura de ritmos que ultrapasse o simplismo de refrões repetitivos, de músicas com melodias fáceis e descartáveis. Penso que o caminho do FIG está certo e que outras atrações como estas criticadas podem até vir, mas não podem se tornar, de forma alguma, o centro do espetáculo, já que nossa cultura, de forma alguma, se resume apenas a isso.
Finalizando, trato da estrutura da Esplanada Guadalajara, que estava muito bem montada e organizada em relação às barracas e chalés. O palco também estava ótimo e a melhoria da qualidade dos telões ao lado do palco e atrás da mesa de som chamou a atenção. Além disso, mais um andar de camarotes deixou o aspecto da estrutura montada na praça ainda mais imponente. As minhas críticas vão à qualidade do som, principalmente à medida que a pessoa ficava mais longe do palco, além do terceiro telão instalado perto dos chalés, que mal dava para ver a apresentação. A estrutura física da Esplanada também deixou a desejar: muitos pedaços de pedra soltos, o que poderia até ser um perigo se houvesse algum tumulto ou briga na Esplanada. Além disso, a escadaria de acesso, que foi parcialmente destruída com as chuvas do início do ano foi reformada, mas ficou em um estado deplorável. No mínimo, um pouco mais de capricho com o cimento das escadas valeria a pena, não? As poças d'água entre os degraus demonstroram a baixa qualidade da obra. Como elogios, vale a atuação da polícia militar, que foi bastante discreta em suas atuações, além de ter tratado as pessoas que entravam na praça e eram revistadas nas barreiras com muita educação e urbanidade. Além disso, a proibição de que se entrasse com garrafas de vidro surtiu efeito, principalmente ao final de cada noite, com menos cacos de vidro na praça, evitando acidentes principalmente para quem fica cansado e resolve andar descalço ao final da noite. Só que a proibição parece não ter valido para as garrafinhas de vodka e de ice, que continuaram sendo compradas dentro da praça e, à medida que a noite avançava, iam sendo quebradas por quem passava e pisava, desavisado, nas garrafas, ou por quem as comprava e depois as quebrava.
Tentei resumir aqui (apesar do texto looongo que acabou se transformando) o que vi na Esplanada Guadalajara. Nas próximas postagens, postarei minhas impressões dos outros polos do FIG.
Boa tarde e bom domingo a todos.

Em tempo: para reforçar alguns argumentos que apresentei aqui, vale dar uma lida na boa postagem que o jornalista e blogueiro de Garanhuns Ronaldo César escreveu sobre a inclusão de apresentações de ritmos mais comerciais na programação oficial do FIG, com o título "Protesto - axé no festival de inverno não". Para ler a postagem, acesse blogdoronaldocesar.blogspot.com/2011/07/protesto-axe-no-festival-de-inverno-nao.html.

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